quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O "i j k"

O esporte que pratiquei foi o futebol, principalmente na várzea, quando jovem, e nas "peladas" entre amigos, quando veterano. Nunca tive condições nem pretensões de me tornar um craque, um profissional, porque não tinha um físico de atleta, minha vista nunca foi boa, e minha prioridade sempre foi o estudo. Mas gostava de jogar e procurava participar de equipes de bairro e das escolas que frequentei.
Em meu livro "Histórias do Terceiro Tempo", narro minhas histórias de futebol, entre elas a do ijk, time formado com colegas da Politécnica que se dispuseram a enfrentar a várzea paulistana.
Abaixo, texto transcrito do livro e duas fotos dos heroicos jogadores, alguns deles já falecidos e os demais dificilmente reconhecíveis.

"O ano de 1950 foi um dos anos mais ocupados da minha vida. Estava terminando o Colégio – ainda com o Professor Cruz e companhia – e fazia, paralelamente, o Cursinho, que era como se chamava o curso preparatório para o exame vestibular nas Universidades. Era estudo e mais estudo, provas e mais provas. Tudo isso em dupla com o Sérgio Bastos.
Na época de provas, então, não tínhamos tempo para o lazer. Nem um cineminha, nem festinhas, mal e mal acompanhamos a Copa do Mundo (aquela realizada no Brasil em que o Uruguai nos venceu na final), não fomos assistir a nenhum jogo.
A prática de esportes, então, ficou totalmente prejudicada.
Quando passamos no vestibular, no início de 1951, foi aquela festa, foi aquele alívio.
Começaram as aulas, a Comissão de Trote, formada por alunos do segundo ano e presidida pelo Paulo Salim Maluf, cuidou de nos dar as “Boas Vindas”, raspando nossas cabeças e fazendo as palhaçadas de costume com os bichos, como passaram a chamar os calouros. Eu ficava na minha, procurava não chamar a atenção. O antigo prédio da Escola Politécnica, na Avenida Tiradentes, tinha um jardim grande na frente, de modo que as atividades tomavam lugar ali mesmo e não tínhamos de ir para a rua dar os vexames que ainda acontecem hoje – pedir esmola, por exemplo.
Logo fiquei sabendo que o time de futebol da Escola ia fazer uma espécie de triagem para selecionar os "bichos" que queriam jogar. No dia marcado, fui a um campo perto da Escola, o campo da RAE (Repartição de Águas e Esgotos, precursora da atual SABESP, a empresa de Saneamento do Estado de São Paulo). Havia uma multidão de candidatos. Treinei de teimoso, pois estava completamente fora de forma, ficara muito tempo sem jogar. De qualquer forma, fui aceito para participar dos treinos do time, que tinha primeiro e segundo quadros e mais alguns reservas.
Na Poli, tínhamos aulas teóricas pela manhã e aulas práticas à tarde. A frequência às aulas teóricas não era obrigatória. Quando perdíamos uma aula teórica, tínhamos de tomar conhecimento da matéria por apostilas feitas pelos próprios alunos. Algumas boas, outras, nem tanto. Para ganhar flexibilidade no uso do tempo, os alunos se organizavam em panelas para tomar notas de aulas e, até, elaborar apostilas. O Sérgio Bastos, Sérgio Cataldi e eu formamos a “Panela de Ouro”, nome nada modesto inspirado pelo papel fino amarelo que usávamos, com cópias em carbono. Esse arranjo permitiu que eu faltasse às aulas de quarta de manhã, quando o time de futebol treinava. Comecei, então, a frequentar os treinos no começo do ano, mas depois, ainda no primeiro trimestre, o estudo apertou e tive de interromper os treinos. Com isso, parei com o futebol, o que me fez muita falta. Como alguns colegas tinham o mesmo problema, depois de algum tempo resolvemos organizar um time para jogar na várzea aos sábados à tarde. O grupo foi formado começando com os colegas de nossa turma e se estendeu às outras do nosso ano.
O time se chamou ijk (as três letras minúsculas, com uma flechinha acima de cada uma). O grupo quis caracterizá-lo como um time de estudantes de Engenharia e resolveu batizá-lo com esses símbolos do Cálculo Vetorial.
Começamos a jogar. Não tínhamos campo, de modo que éramos sempre visitantes. Visitantes, na várzea, quase sempre perdiam o jogo – por desconhecimento do campo, por causa do apoio da torcida aos adversários, porque estes batiam, porque o juiz ajudava o time da casa, e, talvez o mais comum, porque os adversários jogavam melhor.
Ninguém do ijk era craque, embora houvesse alguns bons de bola que tinham condições de jogar no time da escola. Um deles era o Antônio Covo, zagueiro alto e forte, que defendia bem e, nas bolas paradas, que eu levantava bem, ia cabecear na área adversária e o fazia com muita competência. Fizemos muitos gols dessa maneira, eu cobrando falta ou escanteio. Tínhamos alguns goleiros, alguns mais assíduos, outros menos, que “agarravam” regularmente e não podiam ser responsabilizados pelas derrotas. Jogaram mais vezes o Cláudio Ruggero, o Mauro e o Olympio. Este teve, algumas vezes, atuações brilhantes, uma delas debaixo de chuva; de vez em quando comia um frango, mas isto aconteceu até com o Gilmar dos Santos Neves, goleiro bicampeão do mundo!
Fundíamos a cuca dos nossos adversários. Para começo de conversa, perguntavam o que queria dizer ijk: “Era Infanto-Juvenil quando vocês começaram?”. Explicávamos de forma muito superficial que era um símbolo matemático de nosso estudo de Engenharia. Uma vez um dos jogadores, depois do jogo, veio falar comigo: “Vocês são diferentes: são educados, não discutem entre si, não reclamam, não batem, levam o jogo numa boa. De onde vocês são?”. Expliquei que éramos todos colegas, estudantes de Engenharia, e que nosso objetivo na várzea era simplesmente praticar o esporte e nos  divertirmos. Competíamos, tentávamos ganhar o jogo, mas, quando não dava, tudo bem, não iríamos morrer por causa disso.
Com esse espírito visitamos a várzea dos mais variados bairros de São Paulo, jogamos em alguns clubes e jogamos também em Campinas, por iniciativa de nossos colegas campineiros.
Os resultados mais inusitados conseguimos em Perus, cidade próxima a São Paulo, jogando contra um dos times dos empregados da fábrica de cimento. No primeiro jogo, ganhamos de dois a um. Eles insistiram numa revanche e, depois de algum tempo, voltamos a jogar com eles. Ganhamos de novo, se não me engano pela mesma contagem. Só que, desta vez, o juiz não queria terminar o jogo enquanto eles não empatassem. Era um sábado à tarde e estava escurecendo. Eu, o varzeano, não vi outro jeito: quando peguei uma bola no meio de campo, levei-a para perto da lateral próxima a um córrego que acompanhava o campo, e chutei  propositadamente para fora, para o outro lado do córrego. O juiz desistiu e terminou a partida.
O ijk durou uns três anos. Não tenho anotações e não me lembro de quando começamos e quando paramos de jogar. Só sei que tivemos de parar quando os estudos avançaram a chegamos mais perto da conclusão do curso. Vários, eu inclusive, iniciaram estágios, outros davam aulas ou já estavam trabalhando, os namoros ficaram firmes; enfim, os compromissos aumentaram muito.
Depois de todos esses anos, as lembranças ficaram um tanto esmaecidas. Faço um pouco de confusão com os colegas do ijk, do time da Escola e do time do ano, ainda mais que, como eu,  alguns jogaram nos três, mesmo que esporadicamente. Pelo que me lembro, entre os mais frequentes estavam o Covo e os goleiros acima mencionados, o Sérgio Cataldi, seu irmão Roberto, que veio a ser meu cunhado, Moacir Piacenti, Kamal Mattar, José João Lorenzini, Keitaro Yagnuma (estes dois últimos, colegas de ginásio quando tínhamos onze anos), os campineiros Hélcio Lizzardi e José Antônio Freitas.
Em 1955, fiz o quinto e último ano da Escola. Surpreendentemente, mesmo com cadeiras pesadas como Pontes e Grandes Estruturas, o ano letivo foi muito mais tranquilo do que o quarto, que foi muito puxado e com uma longa greve estudantil para atrapalhar.
Naquele ano, o quinto, decidi que não queria sair da Escola sem participar de uma competição sequer e voltei a treinar, desta vez durante o ano todo. No segundo quadro, pois não dava para aspirar ao primeiro; não havia treinado nos anos anteriores e, mesmo que o tivesse feito, os jogadores do primeiro quadro eram muito bons, alguns eram craques. Eu teria de me contentar – e me contentei – em jogar no segundo, assim mesmo revezando com outros jogadores. Consegui meu objetivo: participei da Pauli-Poli, jogando no Pacaembu, e de outros jogos, dos quais me lembro de um em Campinas, no Brinco de Ouro da Princesa, o estádio do Guarani, que estava ainda bem novo.
Apesar das atividades adicionais de futebol, estágio e a viagem à Bolívia no meio de ano, foi um ano acadêmico excelente: tive um desempenho escolar muito bom, passei sem exame oral final em todas as matérias e entrei em férias mais cedo."

Abaixo, as fotos.
Na primeira, não consegui identificar dois colegas. A quem conseguir, peço informar-me.
Na segunda, Paulinho é o Paulo Stefani que, recentemente, escreveu seu primeiro livro, o "O milagre somos nós", no qual narra fatos ocorridos durante as obras de construção da Rodovia Transgarimpeira, na Amazônia.



Washington L. B. Conceição

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