segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Notícias da Primavera

Cara leitora ou prezado leitor:

Em meio ao intenso noticiário sobre estas eleições, tão importantes para o destino de nosso país, ofereço um rápido intervalo com duas notícias do blogueiro "que vos escreve".



Crônicas Selecionadas

No ano passado, depois de quase dois anos de blog, resolvi fazer uma primeira seleção de crônicas e reuni-las em um livro, o “Crônicas Selecionadas 2012-2013”, publicado na versão impressa (distribuída pela Amazon.com) e na versão digital, disponível na amazon.com.br e na Livraria Cultura.

Neste ano, resolvi repetir a dose, reunindo em outro livro as crônicas do blog publicadas de julho de 2013 a julho de 2014. Já está disponível, na versão digital, na amazon.com.br. O título do livro é “O Meia Lua”.

Abaixo, a capa do e-book.



Desta vez, consegui publicar as ilustrações das crônicas, em cores, como no blog. Para quem usa o Kindle Paperwhite, elas aparecem em preto e branco, em várias tonalidades de cinza.
Como não quero manter todas as crônicas na rede, indefinidamente, aquelas reunidas em livro são retiradas do blog.


Mais uma primavera

Mencionei meus oitenta anos em duas crônicas de 2012. Neste final de setembro, já cheguei, portanto, aos oitenta e dois. Fizemos uma reunião de família muitíssimo agradável. Minha filha ofereceu a casa e minhas duas noras brasileiras me presentearam com um bolo “sui generis”, bastante ilustrativo, mostrando o vovô Washington em sua atividade preferida:



Recebi muitos cumprimentos, por telefone, e-mails e mensagens no Facebook, mas algo inusitado aconteceu: um ex-colega da IBM, companheiro de departamento no início dos anos 1970 e que eu não vejo há uns quinze anos, me telefonou no dia do meu aniversário, contando que estava lendo meu “O Projeto 3.7 e Nós”. Disse que estava gostando e comentou que não sabia que eu escrevia – mostrou-se admirado. A conversa prosseguiu sobre outros assuntos e, quando se falou em idade, verificamos que estávamos aniversariando no mesmo dia. Nenhum dos dois se lembrava disso e o fato de ele me telefonar naquele dia foi por pura casualidade. Fiquei impressionado e estou contando esta história para todo mundo.


Washington Luiz Bastos Conceição









sábado, 13 de setembro de 2014

O Dia dos Pais e O Neto Blogueiro

Em meio às tristezas de agosto, um dia de trégua – o Dia dos Pais. Trégua, porque ele provocou uma reunião da família; e reuniões de família se tornaram, para nós, os mais velhos, cada vez mais importantes.
Parece-me (não vou pesquisar) que essa comemoração seguiu a do Dia das Mães e que foi, também, muito estimulada pelo comércio. Não me importo com essa origem e nem com a quantidade de e-mails que recebo nas semanas que precedem o segundo domingo de agosto (no Brasil), pois eles servem até de lembrete para mim. Este ano, recebi muitas sugestões de presentes da área de perfumaria e comparei com as sugestões para o Dia das Mães, dentre as quais se destacam os telefones celulares com os mais variados recursos.
A melhor comemoração é, certamente, um almoço em família; juntando filhos e netos aos avós, melhor ainda. E as crianças, com seu extraordinário desenvolvimento de hoje em dia, são uma atração especial: homenageiam o pai e os avós com declarações ou, mesmo, com pequenos discursos. Desde cedo, adquirem um vocabulário relativamente amplo, na escola, em casa, em sua maior convivência com adultos e, até, ao assistir a filmes na televisão. Claro, às vezes se confundem, como um garoto de uns nove anos que, ao cumprimentar o pai, o chamou “meu pai preferido” em uma reunião de uma família amiga nossa – e deu aos tios, grandes gozadores, a chance de animarem a festa mais um pouco. 
Este ano, nossa família comemorou o Dia dos Pais com um almoço em casa de minha filha. Estávamos Leilah, minha esposa, eu, os filhos e noras daqui e Bruno, o neto carioca (o ramo americano comemora o Dia dos Pais em outra data). A reunião foi muito agradável, com a habitual entrega de presentes, aperitivos e um ótimo almoço. O destaque da tarde foi o discurso do Bruno (onze anos no dia 15 próximo), preparado por ele na véspera. Leu, em grande estilo, para um auditório atento. 
Na escola, Bruno tem aulas de apresentação e até algumas de teatro. Lê muito os livros apreciados por sua geração, em geral ilustrados, desenha e também escreve histórias, altamente influenciadas pelos filmes de aventuras. Para ele, ficção é sinônimo de ficção científica; sugeriu que eu escrevesse uma história de aventuras intergalácticas. É um dos leitores de meus livros e crônicas – e divulga os escritos do avô.
Bruno e Vovô - Os blogueiros
No sábado, ele, em minha casa, resolveu escrever o que chamou de crônica, para ler no dia seguinte. Usando o computador da Leilah, digitou e imprimiu o texto rapidamente, usando fontes de tamanho grande e negrito para destaques.
Seu texto me surpreendeu, tanto pelo uso de algumas palavras menos comuns, quanto por algumas considerações sobre a data e a condição de pai. No final, uma mensagem que contém uma preocupação de pré-adolescente.
Transcrevo-o abaixo, sem qualquer edição de minha parte, embora eu tenha sido tentado a melhorar a pontuação. As pausas necessárias ele fez na leitura.
“A crônica do neto blogueiro
Queridos vovô e pai: lhes fiz essa crônica como presente de dia dos pais, agora é a minha vez de blogar um pouquinho. 
Um domingo, a família reunida. Os pais são tratados como soberanos. As mães já tiveram o seu dia mas eu, a criança, aguardo impacientemente, porem sei que o dia vai chegar, mas bom vamos falar dos pais por que é o dia deles. 
Os pais, dia deles ganham presente de acordo com a data dia dos pais. Daí eu pensei “Os pais só ganham camisas, calças e cartões. Mas porque não uma crônica?" Por isso estou escrevendo isso agora. 
Os pais são bem legais sabe, os melhores amigos do mundo. Sempre te dão dicas e são dicas que funcionam; os pais e os filhos sempre brigam, mas isso é para deixar para traz e agora deixa-los curtir o momento de rei, porque isso só dura um dia. 
O final da crônica está a caminho, mas eu só quero dizer: curtam pais curtam porque a época soberana está acabando, depois tem o autor aqui que vira soberano.
Bruno Mellone Ribeiro Conceição”
Washington Luiz Bastos Conceição 


Nota:
O caro leitor ou a prezada leitora pode me achar um avô “babado” e, provavelmente, terá toda a razão. Porém, mais uma vez, ouso me comparar aos grandes Zuenir e Veríssimo que, de vez em quando, relatam falas e feitos das respectivas netas. Na última quinta, dia 11, em sua coluna do “O Globo”, Veríssimo conta que Lucinda, sua neta de seis anos, ao lhe mostrar a maneira correta de tomar uma casquinha de sorvete sem pingar na roupa, lhe disse: “Aprenda com uma profissional...”.



quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Credidio

Ultimamente, Credidio e eu nos víamos quando ele vinha ao Rio com Leila, sua esposa, para, principalmente, verem a filha e a neta carioca. Devido a dificuldades de agenda, raramente jantávamos juntos, como fazíamos tempos atrás, de forma que eu o encontrava no café da manhã do Zona Sul, supermercado na Rua Dias Ferreira, no Leblon. Com ele, habitualmente estava o Gentil (Carlos Gentil Vieira), nosso amigo comum, que sempre o acompanhava por aqui. Eram conversas calmas, sem horário definido, muito agradáveis.
Dedicado, já há alguns anos, ao conhecimento e degustação de vinhos, era um “enófilo” – tinha um cartão de visitas com essa designação (não se dizia “enólogo”). Declarava, da forma radical e definitiva que era uma característica sua, que seu assunto era vinho. Um exagero, claro, pois conversávamos sobre temas os mais variados, que incluíam aa famílias, e não tratávamos de política e futebol. E mais, o assunto vinho era provocado por nós outros, pois ele cuidava para não exagerar a ponto de se tornar “enochato”. Mas, quando lhe perguntávamos sobre um determinado tipo de vinho, alguma visita sua a uma vinícola, no Brasil ou no exterior, ou uma degustação, ele realmente tinha o que contar e comentar, reforçando suas informações com dados, como, por exemplo, as notas do “Wine Spectator” (site especializado em vinho).
Quando  o casal esteve no Rio há pouco mais de dois meses (início de junho?), Leilah, minha esposa, e Leila marcaram um encontro para jantarmos os quatro, o que não aconteceu porque o Credidio estava sentindo fortes dores nas costas. Voltaram no dia seguinte a São Paulo. Sentimos muito, ficamos um pouco preocupados, mas sabíamos que ele se cuidava, assistido por médicos que, como todo mundo, se tornaram seus amigos.
Em São Paulo, ele fez uma série de exames médicos, cujos resultados acompanhávamos através das notícias da Leila e do Gentil.
Os médicos descobriram câncer em sua coluna, já na condição de metástase. Chegou a fazer radioterapia e quimioterapia, mas não resistiu e faleceu. O processo todo, entre a manifestação das dores nas costas e seu falecimento, foi muito rápido (dois meses) e extremamente chocante para a família e os amigos.
A última vez que falei com Credidio foi pelo Skype, uns dias antes de sua partida. Ele estava em casa, entre internações hospitalares, e conversamos bastante; estava sem dor, mas se queixou de dificuldade de locomoção. A comunicação seguinte que recebi foi da Leila, por telefone, algumas horas antes do falecimento: “Washington, seu amigo está indo embora”. Mais tarde, outro telefonema, com a dolorosa confirmação.


Conheci Credidio Rosa quando ele entrou na IBM, em São Paulo, uns dois anos depois  de mim. Formado em engenharia no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), foi selecionado pela Empresa juntamente com alguns de seus colegas para trabalhar como analista de sistemas (computadores eletrônicos) junto aos clientes.
De baixa estatura, pele clara e cabelos castanhos, não parecia se importar por ser chamado de baixinho – o que certamente o acompanhou a vida inteira. Mas chamava a atenção por seu humor, o espírito gozador que deve ter desenvolvido no ITA, seu bom relacionamento com os colegas e seu desempenho no trabalho.
Era início da década de 1960. Naquela época, assumi a gerência do Centro Educacional de São Paulo (unidade de treinamento para clientes), de modo que tivemos pouco contato de trabalho, embora nos víssemos com frequência no escritório.
Um grupo de colegas da IBM jogava futebol (de salão e de campo, até na várzea). Eu participava do grupo. O Credidio e dois colegas, também formados no ITA, os três bons de bola, aderiram, o que nos aproximou.
De 1968 a 1969 trabalhei pela IBM Brasil em Chicago e, na volta ao Brasil, em 1970, me mudei para o Rio. Credidio continuava em São Paulo e, pela primeira vez, tivemos relacionamento direto de trabalho quando ele assumiu a gerência staff de vendas do Sistema 3 no Distrito Sul da Empresa, com sede em São Paulo. Eu era o gerente de marketing daquele produto, na Matriz, no Rio e atuávamos em conjunto. Aqui, um comentário: pareceu-me que algum diretor teve a ideia brilhante de associar o baixinho Credidio ao novo sistema que, o menor em tamanho, tinha um ótimo desempenho, era muito eficaz.
Depois, ele foi designado para um cargo gerencial na Matriz, no Rio, e morou aqui por alguns anos. Foi nesta ocasião, mediante colegas-amigos comuns, que tivemos a maior aproximação. Nosso relacionamento se tornou amizade, estendida aos familiares.
Nesta fase, facilitado pelo ótimo relacionamento das respectivas esposas, e tendo, ambos, filhos pequenos, tivemos bastante convivência. Os programas incluíam praias no Rio, até churrascos em Grumari, e passeios nos fins de semana, especialmente em Cabo Frio.
No Rio, ele formou um grupo de amigos com colegas da IBM, vizinhos dele e até conhecidos de juventude da Leila. Casais com filhos,  frequentávamos o Piraquê (sede esportiva do Clube Naval, na Lagoa Rodrigo de Freitas), jantávamos em restaurantes e, de vez em quando, reuníamo-nos nas casas dos participantes.
Naqueles anos, intensificou-se a divulgação, mediante livros e palestras, da necessidade dos executivos cuidarem melhor da saúde, bem antes da atual febre universal de exercícios nas academias de ginástica. Credidio organizou uma caminhada noturna de um pequeno grupo de amigos. Após o trabalho, aí pelas 19 horas, lá íamos nós, os casais, para o calçadão de Ipanema e Leblon. A caminhada era em ritmo de trote, decretado por ele, seguindo recomendação médica, pois ninguém era atleta. O exercício durava cerca de uma hora e voltávamos para casa, pois drinques, petiscos e jantares eram programas para o fim de semana.
Antes de virem para o Rio, Credidio e Leila, já com as três meninas, moravam em uma casa no bairro do Brooklin, com um grande quintal, que aproveitaram muito. Credidio se especializou, então, nos churrascos de fim de semana – não aqueles meus aqui nas praias do Rio, de amador, mas os que começavam com a compra ultra-criteriosa da peça de carne, depois cortada por ele mesmo, em casa, com facas apropriadas e o conhecimento de como cortá-la, nos pontos  e direções corretos, segundo suas fibras, limpando-a cuidadosamente. E mais, colocava, junto ao carvão da churrasqueira, uma pequena lata d’água. Parece-me que era para a carne não ressecar (os leitores profissionais poderão esclarecer este ponto). O churrasco saía ótimo.
Quando vieram ao Rio, aproveitamos sua habilidade de churrasqueiro na casa de praia que um dos casais tinha em Pedra de Guaratiba, praia na saída do Rio para a rodovia Rio-Santos. A casa era equipada com uma churrasqueira ótima, muito bem construída, e uma quadra gramada de vôlei, onde jogávamos em família. Foram sábados memoráveis.
Após seu tempo de designação na Matriz, Credidio, promovido, voltou a São Paulo com a família. Eles mantiveram, entretanto, um programa de visitas ao Rio.
Quando a filha mais velha se casou e veio morar no Rio, passamos a ver Credidio e Leila com frequência. Mais, ainda, quando nasceu a primeira neta.
Sempre que vamos a São Paulo, Leilah e eu temos o hábito de reunir os amigos nossos de lá, pois não há tempo de visitá-los em separado. São amizades antigas, de origens diferentes: amigos de infância, parentes, colegas de escola. Quando Credidio e Leila se mudaram de volta para São Paulo, passaram a participar dessas reuniões. Entre meus guardados, achei uma foto do grupo na comemoração de meu aniversário de sessenta anos, em São Paulo, na casa de minha irmã, em que o casal, com Leilah, aparece assim:
Após se aposentar na IBM, Credidio trabalhou por algum tempo em programas de treinamento de executivos, de alto nível, que incluía exercícios com dramatização de situações de negócios. Esta atividade o levou a um curso de teatro (ele sempre buscava se aperfeiçoar no que fazia). Assisti a uma de suas participações nesse curso, em peça na qual seu papel era de um senhor mais velho muito divertido. Achei que ele se desempenhou muito bem e até me lembrei de um ator de cinema do meu tempo de infância – Mickey Rooney – com quem um amigo achava que o Credidio se parecia fisicamente.
Contudo, nos tempos mais recentes, seu grande interesse era vinho. Como não podia deixar de acontecer, ele se aprofundou no assunto – estudou desde os mais variados tipos de vinho, a comida que os acompanhava bem, e até os tipos de cálice mais adequados. Frequentava, diariamente, na Internet, os sites especializados e acabou fundando, principalmente com ex-colegas da IBM, em São Paulo, um clube de apreciadores de vinho, o Cluvinho, grande e duradouro sucesso entre os amigos.
Quando vinha ao Rio ele participava dos almoços de degustação do grupo do Gentil no Piraquê e era muito festejado.
Em minha crônica anterior, “Bloqueio”, escrevi que o Credidio, “pessoa extraordinária, agregadora, formava grupos de amigos em todo ambiente que frequentava” e que “nos deixou a lembrança de suas iniciativas, de suas tiradas espirituosas, às vezes radicais, sempre inteligentes, e de seus gestos de amizade”. O que narrei acima deve ter confirmado, junto aos leitores, estas considerações sobre o amigo.

Exemplos de suas afirmações radicais (ele usava muito “sempre” e “nunca”), que não eram necessariamente de sua autoria, mas das quais não me esqueço, são: “Se trabalho fosse uma coisa boa, não pagariam para a gente trabalhar.” e “Você já reparou que as pessoas nunca respondem ao que você pergunta?”.
Exemplos de seus gestos de amizade foram o carinho com que tratava minha mãe (presenteava-lhe vinhos de que ela gostava) e a atenção que dava ao meu sogro, também descendente de italianos, com quem conversava bastante sobre os mais variados assuntos. Finalmente, inesquecível para mim, foi seu comparecimento,  com Leila e alguns outros amigos heroicos, à minha noite de autógrafos na Bienal do Livro de São Paulo, no Anhembi, num sábado gelado de agosto de 2010. Abaixo, uma foto do evento.
Em resumo, essas são lembranças que tenho de meu amigo. Imagino, contudo, que muito mais terão de contar seus inúmeros amigos dos vários grupos de que participou, sempre muito ativamente e com destaque: colegas do ITA, da IBM e companheiros do vinho, principalmente. Ao reunirmos todas essas histórias, teremos algo muito interessante e valioso.
Se imortalidade se traduz pelas realizações e lembranças que deixamos, o nosso amigo já a conquistou.
Washington Luiz Bastos Conceição 



Nota: Hoje é dia de aniversário do Credidio.


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Jogo de Botões


Na crônica “Pensamento Mágico”, publicada no caderno da Copa 2014 do Jornal O Globo em 5 de julho último, Luiz Fernando Veríssimo contou que inventou um futebol de mesa com tampinhas de garrafa. Embora eu tenha conhecido o jogo de tampinhas quando, menino, passei algumas temporadas no Paraná, onde nasci, meu futebol de mesa, em São Paulo, foi o de botões. Pela semelhança, essa crônica mexeu com minhas recordações de infância e adolescência e me apressou a atender, hoje, às sugestões de dois leitores amigos para que eu escrevesse sobre o jogo de  botões, pois várias das histórias que conto são semelhantes àquelas que eles próprios viveram.



Lembro-me de ter começado a jogar futebol de botões aos oito anos de idade e de só ter abandonado totalmente esse “esporte” à altura dos quinze anos, ou seja, desde os tempos de escola primária até o início do científico. Ao longo desses anos, mudei algumas vezes de bairro e de escola e, consequentemente, de amigos e colegas. Todos eles jogavam mas, geralmente, com diferentes tipos de botões (os “jogadores”), de bola, de traves e de “campos”. O que não variava era a quantidade de jogadores (os onze do futebol real) e a colocação deles, que seguia a formação dos times daquele tempo: o goleiro (que não era botão, mas sim uma caixa de fósforos com peso dentro), dois “beques”, três “alfos” (os médios) e cinco na linha (os pontas, os meias e o centroavante). De quando comecei, no colégio primário, lembro-me apenas de que o campo era um pequeno terraço de cimento liso e que formei meu time comprando vários números de uma rifa – eram botões grandes, talvez de casaco, vermelhos, e que deslizavam muito bem no “campo”. Desta fase inicial, não me recordo como era a bola (talvez de papel alumínio das embalagens de cigarro), as traves e as regras.

Aos nove anos, quando a família se mudou para a Rua Oscar Freire, em Pinheiros, quase na esquina com Teodoro Sampaio, fiz alguns amigos na vizinhança. O pai de um deles, o Plácido Mainardi, o Cidinho, tinha uma loja de calçados na Teodoro, com um amplo subsolo que, no fundo, tinha uma janela ampla que dava para uma encosta. O local era, pois, arejado e muito espaçoso, de forma que, embora servisse de depósito para caixas de sapato, dava para uns três ou quatro garotos brincarem, até dar uns chutes a gol. Contudo, nossa principal atividade, lá, era (como dizíamos) “jogar botão”. Nessa “liga”, os botões eram aqueles de galalite (plástico duro de antigamente), fornecidos com as cores e distintivo dos clubes, e as traves – ah, as traves – eram caixas de sapato recortadas. A parte interna da caixa retinha as bolas que entravam no gol, fazendo o papel de rede. O retângulo vazado em cada uma tinha dimensões adequadas ao jogo, mas as traves resultavam bem largas. Havia mais chutes à trave do que gols. Mais uma vez, não me lembro do tipo de bola que usávamos, só me lembro de que dava para chutar encobrindo o goleiro (este, de caixa de fósforos). A regra era jogar “controlando” a bola até o chute ou a perda ao tocar no jogador adversário – havia, até, “offside” (impedimento). O campo era uma mesa de cerca de um metro e meio por uns setenta centímetros, devidamente demarcada. No campeonato, fiquei com o time do Palestra Itália, um dos “três grandes” do campeonato paulista, que em 1941 ainda não era Palmeiras.
Nesse tempo, eu treinava sozinho em casa, no chão da copa, onde havia um linóleo. Em uma ocasião, uma amiga de minha mãe que estava passando uns dias em casa ficou intrigada e se divertiu muito com a exclamação do garoto: “Perdi o meu Pipi!”. Era o que eu exclamava, me lamentando. Acontece que Pipi era o ponta esquerda do Palestra (que formava ala com o Lima, o craque do time) e eu não achava o botão. Depois, descobrimos que ele tinha ido parar embaixo da geladeira.

Aos dez anos fui passar o segundo semestre em Ponta Grossa, Paraná, na casa de meus tios padrinhos. Lá, fiz amizade com alguns amigos da vizinhança, especialmente com um piá (menino) da minha idade, o Nacib Tebcherani, e outro mais novo, o Moisés Judkovitch. Eles não jogavam botão, o futebol de mesa deles era com tampinhas de garrafa. Diferentemente do caso dos botões, impulsionados mediante um “apertador” (uma ficha com a qual se pressiona o botão) as tampinhas eram movimentadas mediante piparotes com o dedo indicador. O campo do Nacib era um tabuleiro de madeira forrado, de cerca de um metro por cinquenta centímetros, colocado sobre uma mesa. As traves eram menores do que as do jogo de botões e os goleiros eram tampinhas amassadas preenchidas com uma massa (cera de abelha, talvez) para lhes dar peso. Novamente, tenho dúvidas sobre o material utilizado para fazer a bola. A quantidade e colocação dos jogadores correspondiam também ao futebol real. Apesar das diferenças em relação aos botões, consegui jogar com eles, com alguma desvantagem pela falta de prática. Pelo jeito, era o mesmo jogo que o Veríssimo mencionou em sua crônica. Assim mesmo, na casa de minha tia, eu também jogava botão, sozinho, com um time que montei lá. Na volta a São Paulo, retomei o jogo de botões. No segundo semestre do ano seguinte, fiz nova temporada em Ponta Grossa e repeti o programa.

A seguir, em 1943, fui morar em Heliópolis, então um pacato bairro afastado do centro de São Paulo onde tive vida de cidade de interior daquele tempo. Lá, fiz novos amigos e, entre várias atividades, jogamos muito botão. Foi a fase mais importante em minha história do futebol de botões, pois disputávamos campeonatos de forma regular, seguindo uma tabela, com juiz, sempre que possível, e fazendo uma súmula das partidas.

Neste ponto, acho melhor transcrever, de meu livro “Histórias do Terceiro Tempo”, a descrição de nossos jogos de botões em Heliópolis, apresentada no capítulo “Nos tempos de Heliópolis”.



O jogo de botões e os jornalistas esportivos

No campeonato de botões, como era uso em toda parte, o time de cada participante correspondia a um time do campeonato principal da cidade. O nosso campeonato em Heliópolis tinha Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Portuguesa, Santos, Ipiranga, Jabaquara e Nacional, pelo menos. Como o Bertinho (meu amigo Gilberto) era o mais velho e corinthiano mais antigo, ficou com o Corinthians. Eu fiquei com o São Paulo. Os outros participantes, todos do bairro, ficaram com os outros times.
Os botões eram, na verdade, fichas grandes de uns dois centímetros e meio de diâmetro, com propaganda do Café Paraventi. Já existiam botões específicos para o jogo, mas não eram apropriados para nossa forma de jogar. Comprávamos as fichas e as raspávamos para deslizarem no chão sem saltar e, quando necessário, levantar a bola. Os goleiros eram de caixa de fósforos, com chumbo dentro para devolverem melhor a bola e resistirem ao impacto dos jogadores. Usávamos bolas esféricas de cortiça, com cerca de um centímetro de diâmetro, que nós mesmos fabricávamos a partir de rolhas de garrafa, cortando inicialmente como um cubo, a seguir aparando as arestas, formando poliedros, e depois lixando até obter a forma esférica. Exigia habilidade, tempo e paciência. As traves eram de madeira com rede de filó, em tamanho padrão, que também fabricávamos nós mesmos.
Os jogos eram cronometrados com um despertador e era designado um juiz para dirimir dúvidas.
As regras eram relativamente complicadas mas todos as conheciam muito bem.
Pomposamente, chamávamos a nossa organização de F.H.F.B., ou seja, Federação Heliopolitana de Futebol de Botões.
Após os jogos, publicávamos as reportagens em nosso jornalzinho manuscrito, “O Esporte Mirim”, usando o mesmo tipo de linguagem dos jornalistas do "O Esporte". Este era o jornal que líamos às  segundas feiras para sabermos os detalhes da rodada do Campeonato Paulista. Era impressionante nossa imaginação ao descrevermos as jogadas dos botões como se eles fossem gente, jogadores de verdade! O Bertinho e eu revezávamo-nos na produção do jornal, sempre que tínhamos tempo para fazê-lo.
Pois, pasmem! Outro dia, examinando material antigo, dentre livros, discos, fotos, etc., para separarmos o que iríamos conservar ou não, achei uma amostra desse jornalzinho nosso.
Não resisti à tentação de transcrever dois trechos das notícias, porque espero que, como eu, vocês se divirtam com elas:
Quando um dos amigos desistiu de jogar botão, outro o substituiu com o time do Santos. Noticiei assim:
“Santos, 22 – Foi empossada ontem, dia 21, a nova diretoria do Santos F.C.. A cerimônia teve início às 19 horas, culminando com o prélio amistoso em que se defrontaram as equipes do Santos e do C. A. Ipiranga, que, num gesto digno de louvor, se ofereceu para abrilhantar a noite de ontem, tão importante para as cores do clube praiano. ...”



Nessa mesma semana, o Waldir Balsimelli, que era mais novo do que eu e  era principiante, foi jogar comigo, no terraço de minha casa. O time dele era o Santos, o meu o São Paulo. Foi um jogo amistoso em que ganhei facilmente. Noticiei assim:
“Visitando nossa capital ontem, dia 24, a equipe do Santos F.C., da vizinha cidade praiana, preliou com o quadro do S. Paulo F.C., no Estádio Municipal do Pacaembu. ... Decorrente de sua maior presença no gramado, o S.Paulo triunfou por uma larga margem de tentos. ...”

A atuação dos jogadores também era analisada. O centro avante era uma ficha dupla que ficava avançada e a bola parava nele para chutarmos a gol com os meias (fichas simples) – por isso estes eram os artilheiros. A atuação do meia Yeso e o centro avante Leônidas (na vida real, “O Diamante Negro”) foi assim avaliada:
“Yeso: Foi o artilheiro, marcando cinco gols, aproveitando todas as oportunidades. Leônidas: Distribuiu várias bolas para os meias, apesar de não ter assinalado nenhum tento.”
Eu não era tão criança assim, tinha 14 anos, mas a imaginação ainda era rica.

Quem terá guardado o jornalzinho? Talvez, minha mãe.


Depois dos tempos de Heliópolis, outras atividades fizeram com que eu deixasse de jogar botão. Além disso, pelos costumes da época, já tinha passado da idade. Esporadicamente, joguei ainda umas poucas partidas com meu amigo Sérgio Bastos, para relaxarmos um pouco dos estudos, e com meus primos de Paranaguá, quando, aos vinte anos, fui visitá-los. Mais moços do que eu, jogavam em uma mesa de pingue-pongue e um deles irradiava as partidas.

Essas recordações, agora, me impressionam por quanto havia de imaginação nesse jogo: os botões eram jogadores, sendo o goleiro uma caixa de fósforos; mesas, terraços ou soalhos se tornavam campos de grama; os toques dos botões na bola tinham as variações e sutilezas dos chutes reais; e, ainda, quando a bola batia em um botão era uma cabeçada do jogador.

Em seus variados aspectos, acima de tudo, jogar botão era um exercício fantástico de imaginação.

Washington Luiz Bastos Conceição 



quarta-feira, 30 de abril de 2014

Centenário de Caymmi


Na semana passada minha cunhada ligou de São Paulo para informar que na televisão estavam apresentando um programa sobre Caymmi. Ela, irmã de minha mulher, conheceu-me jovem e já admirador, fã de carteirinha, do baiano. O programa era um dos vários que estão sendo apresentados nestes dias em comemoração ao centenário dele, que ocorre hoje, neste 30 de abril.
Entre as homenagens, no último domingo, o jornal O Globo publicou, em seu segundo caderno, vários artigos sobre Caymmi, destacando o músico, o pintor, o baiano, o carioca, o mineiro, o patriarca. Acrescentaram sua condição de mineiro porque, fiquei sabendo agora, ele tinha uma casa em São Pedro de Pequeri, em Minas Gerais, onde nasceu Stella Maris, sua esposa. Pequeri era, como publicou o jornal, “seu espaço de calma na maturidade ao lado de Stella”. A coluna de Caetano Veloso também foi dedicada a Caymmi. Para completar, foram relacionados discos de sua obra e curiosidades sobre o compositor.
Venho juntar-me aos que estão homenageando esse artista ímpar de nossa música popular. Fiz minha “Reverência a Caymmi” em meu primeiro livro e a transcrevi em crônica, neste blog, no ano passado, no mês de seu nonagésimo nono aniversário. Contudo, sinto que, hoje, não tenho o que acrescentar, a não ser a satisfação de ver celebrado seu centenário de nascimento e de ver reconhecida, pela mídia e por outros artistas, a obra notável do grande baiano.

Se você, cara leitora ou prezado leitor, quiser ler ou reler a crônica a que me referi, clique no link abaixo:

 Washington Luiz Bastos Conceição




 

sábado, 5 de abril de 2014

Os fazedores de chuva


O trabalho de vendas é fundamental para qualquer organização de negócios.

Corro o risco dos leitores caçoarem de mim, com um comentário do tipo: “O que deu no Washington? Só agora, depois de velho, que ele descobriu isso?”, ou talvez com uma pergunta pior, que usávamos quando garotos, meus amigos e eu. Os americanos me dariam um prêmio pelo “Understatement of the year”, em nível universal.

Bem, vou melhorar a declaração: Como todo mundo está cansado de saber, o trabalho de vendas é fundamental para qualquer organização de negócios. 

Então, pergunto: por que pessoas que vendem, seja que produto for, substituem no cartão de visitas e nos currículos a palavra “vendedor” por inúmeras variações? Variações do tipo: representante comercial, consultor de vendas, consultor de negócios, especialista de marketing e outros que as empresas considerem mais enobrecedoras da função básica do profissional, que é vender. Ocorreu que, pela forma de atuação de vendedores em alguns tipos de negócio, “vendedor” passou a ser sinônimo de pessoa que faz venda agressiva, sem compromisso de bom atendimento ao cliente. Tipicamente, na ocasião da venda, ele não esclarece o cliente sobre suporte ou certas características do produto que “a vítima” vai descobrir somente depois de receber ou de começar a utilizar o produto. Como, por exemplo, restrições de garantia e certas funções do produto que requerem o pedido de dispositivos adicionais; pior ainda, a inadequação total do produto às necessidades do cliente. Nessa ótica, “vendedor” passou a ter, infelizmente, um significado muito próximo de “camelô”.

É importante ressaltar que esta visão não é uma exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, por exemplo, os vendedores do tipo acima descrito são qualificados na categoria “vendedor de carros usados”. Entretanto, pelo menos até alguns anos atrás, o título “Salesman” ou “Sales Representative” foi preservado. A qualificação de assessor ou consultor, por exemplo, era adicional.




Sobre o assunto, o que pensava eu, um bom aluno da Escola Politécnica de São Paulo, quando se formou, jovem, em 1955? Pensava que o engenheiro era um profissional visceralmente técnico; que, considerando tudo que havia aprendido no curso – com muito esforço, diga-se de passagem – deveria escolher, dentre as oportunidades daquele tempo, uma especialização de sua preferência e, então, trabalhar e se desenvolver nela.

Algum tempo após a formatura, fiquei sabendo que dois colegas estavam trabalhando em vendas, um de máquinas para terraplenagem e outro, de materiais de construção. Eu, que trabalhava em Engenharia Civil, principalmente em projetos de redes urbanas de abastecimento de água, fiquei muito admirado, fiquei com a impressão de que eles tinham desprezado tudo aquilo que aprendêramos na Escola. Não me parecia uma especialização, pois eles não estavam trabalhando em pesquisa ou projeto daqueles produtos e achava que, para vender, eles não tinham de conhecer profundamente o que ofereciam. Para mim, tinham deixado de ser engenheiros para ser vendedores, profissão que não requeria todo o estudo que havíamos tido.

Com o tempo, à medida que ganhava experiência com as atividades em minha pequena empresa de Engenharia, passei a valorizar o trabalho de administração e de negociação com clientes e parceiros e senti que, por mais que o engenheiro tivesse responsabilidades técnicas, ele teria de lidar muito, e profissionalmente, com clientes, fornecedores, empregados e parceiros de negócios. Passei a encarar de forma diferente os trabalhos de administração, finanças, vendas e atendimento a clientes.

Quando fui trabalhar na IBM, minhas atividades passaram a ser de divulgação e venda de equipamentos de alta tecnologia (os “cérebros eletrônicos”) e de programação complexa, além do fornecimento do correspondente apoio técnico aos clientes. Venda de alto nível técnico e com apoio aos clientes, que exigiu sempre muito estudo, mas não deixava de ser venda.

Desde então, com crescentes responsabilidades gerenciais, minha vida profissional incluiu aprendizado, aplicação e transmissão de conhecimentos, o tempo todo, tanto nos 24 anos de IBM como nos 25 subsequentes, até minha aposentadoria.




Em resumo, em que consistem as atividades do vendedor? Qual sua abrangência?

Como diziam os professores de antigamente, “senão vejamos”:

Há processos de venda mais simples e há a chamada venda complexa, aquela que requer a aprovação de diferentes pessoas, em geral de diferentes níveis, dentro da organização cliente. A venda complexa envolve várias atividades.

O vendedor (que, ao longo desta crônica, também significa vendedora), devidamente preparado por sua empresa quanto aos produtos e procedimentos de venda, recebe um objetivo numérico para o período (para o ano, por exemplo) – é a “meta”. Ele pode ter um território definido e também ter uma carteira de clientes, que ele atende como representante de sua empresa. Habitualmente, o vendedor reclama com o “chefe”, acha a meta muito alta, mas, em geral, não tem jeito. Conheci um gerente que, em conversas desse tipo, imitava o gesto de um violinista para acompanhar o “choro” do vendedor.

Bem, não havendo outro jeito, o meu caro amigo vendedor tem de se preparar para a luta, que começa com seu planejamento. Ele tem de pesquisar e listar possíveis negócios, estimando, para cada um, o valor e o mês do fechamento. Se o total dos valores não for suficiente para atingir sua meta, terá de planejar um intenso trabalho de prospecção.

Para seu trabalho diário, ele tem de  programar (semanalmente, por exemplo) as visitas aos clientes, anotando os assuntos que serão tratados. Em função das visitas, o vendedor faz um plano de ação para cada negócio.

Ao longo do ano, o andamento do trabalho tem de ser controlado, mediante apuração dos resultados e comparação com o plano (planejado versus realizado). 
A venda propriamente dita envolve o “face a face”, o estudo, a proposta, a negociação e o fechamento do negócio. O vendedor deve selecionar as pessoas do cliente com quem vai tratar do assunto e entre elas deve estar o executivo que vai aprovar a compra; deve estabelecer o enfoque da venda; deve preparar a argumentação, a justificativa do negócio (que pode chegar a uma estimativa de retorno do investimento); fazer a proposta de uma forma combinada previamente nas reuniões com o cliente; negociar as condições no final e, todo o tempo, observar a reação das pessoas envolvidas, em particular quanto às propostas das empresas que estão concorrendo na venda.
Prezado leitor e cara leitora: Se você se interessou pelo assunto, ainda não desistiu da crônica, deve concordar comigo que, somente pelo que comentei até aqui, o trabalho de vendas complexas não é fácil. 

Para todas as atividades mencionadas, o vendedor tem de estar preparado, seja por experiência, seja por treinamento adequado. Pela característica de suas atividades junto aos clientes “no campo”, que o ocupam muito, não se pode esperar que ele tenha tempo para selecionar e ler livros, antigos ou recém-lançados, sobre técnicas de venda. Daí a necessidade de cursos para o seu desenvolvimento e a aplicação imediata no trabalho do conhecimento adquirido. Especialistas da própria Empresa ou instrutores contratados são encarregados desse treinamento.

Quando eu trabalhava na IBM, tive oportunidade de participar, como aluno e como instrutor, de vários desses cursos. Depois, em outras empresas, fiz apresentações e dei cursos em que passei o conhecimento adquirido em meu trabalho e na leitura de livros, alguns específicos sobre estratégia e técnicas de vendas e outros que tratam de desenvolvimento profissional. Foi uma experiência ótima e guardo com carinho livros excelentes sobre esses assuntos, ao lado de outros sobre sistemas e orientação gerencial.

Alguns dos livros
E quando se trata de vendas menos complexas?

Em vendas, mudou muita coisa. Em especial, vendas de lojas (de balcão) foram levadas para a internet, mediante uso de técnicas as mais avançadas. Tirando proveito da enorme capacidade de registro de dados, há hoje organizações que vendem qualquer produto, aproveitando fantásticos sistemas que foram montados, inicialmente, para um determinado tipo de produto. Você, caro leitor ou prezada leitora, já adivinhou que vou mencionar, como exemplo, a líder dessas organizações, a Amazon. Esta foi precursora da venda cruzada, com mensagens do tipo: “Caro cliente: outras pessoas que compraram o livro “x”, como você, também compraram os indicados abaixo: ... “; e, também, da venda de produtos similares àqueles já adquiridos pelo cliente. Exemplo deste último tipo de venda é a variedade dos livros em Espanhol que a Amazon passou a me oferecer depois que comprei alguns deles escritos nesse idioma.

E aqueles vendedores que nos atendem pessoalmente? No meu caso de cliente, os corretores de seguros são bons exemplos, embora eu trate com eles uma vez por ano, quando vencem as apólices. Nesta ocasião, refrescam nossa memória e atendem novas necessidades que tenhamos de uma forma satisfatória e amável. O maior cuidado deles é manter e utilizar bem seu arquivo de clientes (alguns mandam até cartão de aniversário). No caso do seguro saúde, fornecem esclarecimentos sobre cobertura e servem de intermediários   junto à seguradora, quando necessário. Os corretores de imóveis, aos quais recorremos de vez em quando, têm também de manter bons arquivos e de fazer prospecção contínua para levantar possiblidades de negócios – é um trabalho difícil, com uma concorrência muito acirrada.   




O que fazem todos os tipos de profissionais que mencionei? Vendem. E quem vende é vendedor. Profissão difícil, com muitos desafios, mas que pode proporcionar sucesso financeiro.

Um dos livros mostrados na ilustração acima, tem como título “How to become a Rainmaker”. O termo “rainmaker”, que passou a ser muito usado em livros de vendas, parece-me bem apropriado, pois os vendedores são mesmo “fazedores de chuva”, fazem as coisas acontecerem.

Washington Luiz Bastos Conceição 







sábado, 25 de janeiro de 2014

Cantinflas e eu


Um dos filmes de que mais gosto é o “A volta ao mundo em 80 dias”. Alegre, agradável, com paisagens maravilhosas, em que participaram ótimos atores, levou a história de Jules Verne à tela de uma forma altamente competente. Dentre tudo que aprecio no filme, sempre me encanta o desempenho do ator Mario Moreno, o Cantinflas.

Capas do DVD do filme

Eu era adolescente quando tomei conhecimento da existência de Cantinflas, ao ler um artigo da revista “The Readers Digest”, àquela época bastante popular. Intitulado “Cantinflas, o Carlitos do México”, fazia um breve resumo biográfico do ator e destacava as semelhanças de Cantinflas com o personagem de Charles Chaplin.

Não me lembro de quanto tempo decorreu até eu assistir a “O policial desconhecido”, um dos filmes mencionados no artigo de “Seleções”.
Embora eu tivesse assistido a poucos filmes de Carlitos, pude constatar a semelhança dos personagens. Com uma diferença importante, porém: como os filmes de Cantinflas já eram da época do cinema falado, este acrescentava, às características semelhantes de tipo de vida, de indumentária, de atitudes de esperteza e de solidariedade ao próximo, um diálogo complicado para envolver e desorientar as pessoas de posição social superior. Enfim, era um brilhante embrulhão – em alguns papéis, analfabeto – que, na ocasião, me pareceu semelhante ao malandro brasileiro.
Fiquei freguês dos filmes do Cantinflas, pois, além do interesse específico em cada um, eu estava sempre aprendendo Espanhol.

De uma forma geral, seu personagem era um jovem pobre e ignorante que morava em uma casa de cômodos; em alguns casos tinha um emprego modesto, em outros estava simplesmente desempregado.
Sua indumentária era: camiseta longa de manga comprida, lenço no pescoço, uma espécie de echarpe que ele chamava de “mi gabardina”, calças amarradas com um cordão, caídas abaixo da cintura e um sapato comprido, de sola fina; usava também um pequeno chapéu de abas viradas para cima e ostentava um bigode diferente, nos cantos da boca. Seus amigos e vizinhos eram pobres como ele. Apesar de sabido e malandro, era muito generoso. Com frequência, tomava a iniciativa de ajudar alguém e enfrentava situações particularmente difíceis para uma pessoa mal vestida e ignorante. Contudo, ele se superava, mediante discursos incríveis.

Tenho na memória alguns diálogos dos filmes dele, principalmente de suas tiradas junto a autoridades a quem ia pedir providências. Por exemplo, em uma delas, Cantinflas vai ao Ministério da Educação, mal vestido, como de hábito. Consegue penetrar no edifício público com uma de suas conversas complicadas e se dirige ao gabinete do ministro. Quando a pessoa que o recebe (talvez o chefe de gabinete) o convida para sentar, ele agradece e diz: ¡Hay que haber educación en el Ministerio de La Educación!”.

Em outro filme, Cantinflas está dando uma aula de Espanhol para uns garotos. Em um certo ponto, ocorre o seguinte diálogo:

“Vamos a ver niños, ¿ustedes saben lo que es gramática? Se me hace que no saben.”... “Pero no importa, pues para eso estoy yo aquí, para decírselo. Gramática es el arte o la ciencia – pues en esto no nos hemos puesto de acuerdo – que nos enseña a leer y a escribir correctamente el “indioma” castellano.”
Um dos alunos corrige:
“Maestro, no se dice “indioma”, se dice idioma, de raíz latina”.
Ele responde:
“Si, pero yo no hablo de esa raíz, yo hablo de la raíz india, por eso digo indi-oma”.

Outro dia assisti pela internet a parte do “O bolero de Raquel”, seu primeiro filme colorido, cujo título provém de uma dança de Cantinflas com uma bailarina ao som do “Bolero”, de Ravel. É também um jogo de palavras, pois “bolero” significava engraxate e Raquel é a principal personagem feminina.
Uma cena do início do filme é de Cantinflas engraxando os sapatos de um turista americano diante do Castelo de Chapultepec, na cidade do México.
O turista pergunta:
¿Usted sabe en qué año “ser” construido este bonito “castilo”?”
O “bolero”, que ignora a data, enrola:
“No se dice “castilo”, se dice castillo. Fue construido, ahora verá usted, en el año... porque cuando la batalla del chapulin que agarramos en el cerro de... no, fue después del plan del agua sucia. Fue en el año... no, fue antes.”
¿Antes de que?”
“Del año ese que le iba a decir, porque ya ve usted que en cuestión de fechas hay muchas controversias”...

E seguiu com o mesmo discurso complicado, enquanto engraxava os sapatos e pintava com pontos pretos as meias brancas do cliente, cujas calças o impediam de ver a arte do engraxate.
No final do serviço, o “bolero” cobrou mais caro por falta de troco para um dólar. Como o cliente protestou, ele, cinicamente, argumentou que o preço resultou barato, considerando a aula de história que tinha dado e, mais, a decoração das meias. 

Mario Moreno iniciou sua carreira artística no circo, onde começou dançando; passou depois a uma companhia de teatro em que fazia pequenos papéis e dançava no final da função. Esta companhia percorreu o México todo. Ele voltou à cidade do México e seguiu trabalhando em vários circos.
Sua experiência de vida de menino pobre, mais o trabalho circense e suas habilidades de dançar e de tourear serviram como base valiosíssima para sua atuação nos mais de 40 filmes em que atuou. Seu personagem Cantinflas, que praticamente se incorporou à sua própria identidade, tornou-se marcante por sua roupa, seus gestos e, especialmente por seus diálogos cheios de jogo de palavras, de malícia, intencionalmente confusos. A tal ponto característicos, que deram origem, na língua Espanhola, ao verbo “cantinflear”.

Assisti, nestes dias, pela internet, a trechos de alguns de seus filmes e ainda achei graça, apesar dos tempos serem outros. As histórias de seus filmes eram um tanto piegas, mas estão relacionadas com o próprio sentimento do ator que, além de sua atividade profissional específica, lutou patrioticamente pelo cinema do México e, tendo ganhado muito dinheiro, fez contribuições sociais de vulto. Foi um filantropo. 

Fora do contexto dos filmes mexicanos, Mario Moreno mostrou toda sua maestria na atuação em “Volta ao mundo em 80 dias”. Conseguiu transformar o Passepartout em Cantinflas, com uma graça e simpatia totais. Para mim, embora tenha apreciado suas “cantinfladas” em vários de seus filmes, foi o seu maior desempenho.

Se Jules Verne fosse reeditar o livro, mudaria o nome do criado de Mr. Phileas Fogg.

Washington Luiz Bastos Conceição



Nota: Para reproduzir melhor os diálogos dos filmes, recorri ao livro “Cantinflas” de Adolfo Perez Agustí, e-book disponível na loja Kindle da Amazon.com.br . A foto acima foi copiada da capa do mesmo livro.